Era uma tarde qualquer na casa em que morávamos. Um beco simples,
arrumado e aconchegante a uma hora da metrópole com nome de santo e jeito
endiabrado. Meu pai trabalhava nos fundos da casa. Consertava móveis e fazia
pinturas chiques nos mesmos. Eu ficava
girando a casa a 100 por hora desafiando todos com minha ansiedade.
O momento no qual eu me sentia mais importante era a hora do café. Não
na hora de tomar café da manhã. Era na hora que meu pai gritava para eu pegar
um copo de café puro para ele. Eu me sentia útil, apesar do jeito áspero com
que ele pronunciava as palavras. Acho que peguei tanto café para ele que acabei
pegando nojo do tal líquido preto. Nunca tomei e nem tenho vontade de
experimentar.
Como ele fazia o pedido várias vezes ao dia, eu ficava com o rádio
ligado perto do local onde ele trabalhava. Ouvia pagode (sim, tenho essa mancha
no currículo!), pop e, graças a Deus, alguma coisa de rock.
Ganhei um cd do Paralamas do Sucesso nesses eventos familiares. Era
daqueles que tem todos os sucessos. Alguém da família percebeu o suicídio
sonoro que ouvir netinho estava ocasionando naquela pobre criança e resolveu
tomar uma sábia atitude.
Comecei a ficar fissurado pelo cd. Em ‘Busca Vida’, eu ficava voltando o
cd na parte do ‘Pá, pá, pá’. Comecei a entender o que era boa música. Achava
que aquela era música de gente grande.
Um dia, estava ouvindo o disco todo animado e falei para o meu pai, que
pintava um móvel com sua posição típica de cigarro na mão direita e pincel na
esquerda:
- Pai, Paralamas é muito legal Disse eu esperando algumas palavras de
incentivo, mostrando que eu estava virando um homenzinho.
Com seu trago cumprido – sabe aqueles que fumante dá quando está
pensando? - ele falou sem hesitar:
- Odeio a voz desse cara! Voltando a pintar em seguida como se nada
tivesse acontecido.
Passaram-se quase vinte anos. Virei um amante de música brasileira.
Amante de Renato Russo, Cazuza, Belchior, Marcelo Camelo, da MPB como um todo e
de figuras como Arnaldo Antunes, Tom Zé e Hermeto Pascoal.
Só não conseguia ouvir Herbert Vianna. Respeitava, mas, não conseguia
ouvir. Sabia de sua importância no cenário nacional, que ele ajudou Renato a
ser quem foi, dentre outros fatos. Mas a música não me descia.
Um dia, despretensiosamente, comecei ouvir o cd ao vivo 30 anos dos
Paralamas. Adorei! Comecei a refletir como eu não gostara dessas músicas antes?
Fiquei matutando isso na cabeça durante alguns dias. Até que do nada,
veio, como em um relance, a cena do menino animado ouvindo do pai:
- Eu não gosto da voz desse cara!
Comecei a refletir: Quantos Paralamas eu perdi por conta do que os
outros falaram?
Seja pai, amigo ou padre da igreja russa, quantas coisas eu perdi pelo ‘outro’?
Resolvi que ia começar a pensar mais no ‘eu’. Agora, por exemplo, estou
escrevendo esse texto ouvindo ‘Uma Brasileira’ bem alto. Meu delegado interno pede para que
eu abaixe o volume, pois o vizinho pode não gostar da música. O novo ‘eu’
pergunta para o delegado: São 13h40min, será que vai mesmo atrapalhar ou esse é
mais um muro invisível que te impede de ser feliz sendo você mesmo?
‘Uma Brasileira’’ continua tocando...
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